Luís Manuel Borges Gouveia (compilado de várias fontes)
24 de Abril de 1997
Universidade Fernando Pessoa
O estilo na redacção de trabalhos científicos deve ter por referência um conjunto de princípios básicos. Estes princípios devem ser observados, de modo a garantir o máximo de isenção e clareza na descrição da actividade de investigação desenvolvida.
Os princípios básicos indispensáveis à redação científica, comuns a outras formas de escrita, podem ser resumidos nas seguintes características:
Uma redacção é clara quando não deixa margem a interpretações diferentes da que o autor deseja comunicar. A linguagem rebuscada, cheia de termos desnecessários, desvia a atenção do leitor, servindo apenas para o confundir.
A falta de clareza de um texto aparece muitas vezes acompanhada de ambiguidade, isto é, falta de ordem na apresentação de idéias, utilização excessiva de termos com pouco uso na lingua, o que desencoraja fortemente o leitor. Ao contrário, um texto correcto, expõe os conceitos e a lógica pretendida numa sequência que constitui um estímulo para o prosseguimento da leitura.
Um autor é claro quando usa linguagem precisa, isto é, quando atribui a cada palavra empregueda a tradução exacta do pensamento que se deseja transmitir. Expressões como "nem todos", "praticamente todos", "vários deles" são interpretadas de formas diferentes e tiram força às afirmações. Será sempre melhor utilizar expressões como: "cerca de 90%", "menos da metade", ou ainda com maior precisão: "93%", "40%".
É mais fácil ser preciso na linguagem científica do que na literária uma vez que nesta última a escolha de termos é bem mais ampla. De qualquer forma, a selecção de termos inequívocos e a cautela no uso de expressões coloquiais (de uso comum tais como por exemplo "quer chova ou faça sol" ou "das duas, uma") devem constituir preocupação sempre presentes na redação académica.
A comunicabilidade é uma característica essencial na linguagem científica, onde os assuntos devem ser tratados de maneira direta e simples, expondo assim a lógica e a continuidade que sustentam as idéias defendidas.
O leitor é perturbado com a leitura de frases que substituem simples palavras, ou com uma sequência de idéias que é interrompida por digressões irrelevantes.
É importante evitar a ambiguidade nas referências. O pronome relativo "que" é frequentemente responsável pelo sentido dúbio de certas frases. Por exemplo: "Os grupos de alunos foram organizados por turno que considerados em conjunto ". Neste caso leitor fica em dúvida: " o que foi considerado em conjunto; os grupos ou os turnos?"
A pontuação também deve ser usada criteriosamente, proporcionando pausas adequadas à compreensão do texto. Pontuação em excesso cansa o leitor e, quando deficiente, não oferece clareza.
Por último, o princípio da consistência é um elemento importante no estilo e pode ser analisado de três formas complementares:
A consistência de expressão gramatical é violada quando, por exemplo, numa enumeração de três itens, o primeiro é um substantivo, o segundo, uma frase e o terceiro, um período completo, o que confunde e distrai o leitor. Outro exemplo seria o de uma enumeração cujos itens se iniciassem, ora por substantivo, ora por verbo.
No exemplo: "Na redação científica, cumpre observar, entre outras regras: (1) terminologia precisa; (2) pontuação criteriosa; (3) não abusar de sinónimos; (4) evitar ambiguidade de referências", os itens (3) e (4), para que se seja observada a consistência da expressão gramatical, teriam de ser enunciados da seguinte forma: "(3) bom senso no uso de sinónimos; (4) clareza nas referências".
A consistência de categoria reside no equilíbrio que deve ser mantido nas principais secções de um capítulo ou subsecções de uma secção. Por exemplo: um capítulo cujas três primeiras secções se referem, respectivamente, aos aspectos tecnológicos, económicos e sociais dos Sistemas de Informação e uma quarta secção que trate de ferramentas de análise e desenvolvimento de Sistemas de Informação, está desequilibrado. A quarta secção, sem dúvida, apresenta matéria de categoria diferente da abordada pelas três primeiras, devendo portanto, pertencer a um outro capítulo.
A consistência de sequência está relacionada com a sequência que deve ser mantida na apresentação de capítulos, secções e subsecções de um trabalho. Embora nem sempre a sequência a ser observada seja cronológica, existe, em qualquer enumeração, uma lógica inerente ao assunto. Uma vez detectada, a lógica determinará a ordem em que capítulos, secções, subsecções e quaisquer outros elementos devem aparecer. Seja qual for a sequência adoptada, o que importa é que esta deve refletir uma organização lógica.
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O uso da terceira pessoa do singular e da voz passiva é recomendado na linguagem científica, que deve ser, o mais possível, despersonalizada. Quanto ao tempo do verbo, o relatório final é redigido no passado, admitindo-se igualmente, o presente, quando apropriado. No projeto de pesquisa, tese ou dissertação, emprega-se o tempo futuro, pois o texto refere-se a intenções e não a factos já consumados, como é o caso do relatório final.
Expressões taxativas devem ser evitadas. Por exemplo, em vez de se dizer que "o resultado do teste da hipótese provou ", cabe, com mais propriedade, dado o carácter probabilístico inerente à estatística de inferência, afirmar que "o resultado do teste da hipótese apresentou evidências de que "
Recomenda-se, também, cuidado no uso de sinónimos. Embora louvável, pois a variedade de termos evita repetições e embeleza o estilo, o leitor poderá ter dúvidas quanto à intenção do autor quando este introduz novos termos - manter o mesmo significado do termo precedente ou introduzir uma diferença subtil?
Períodos curtos são de compreensão mais fácil que os longos, mas o autor experiente saberá manter-se entre o estilo telegráfico e um outro mais longo, entre a pobreza de expressão e a excessiva qualificação, imprópria ao discurso científico. O essencial, entretanto, é que cada período seja compreendido facilmente, sem que seja necessário ao leitor reportar-se a exposições anteriores.
Ao mesmo critério deve obedecer a extensão dos parágrafos. Embora as idéias devam fluir livremente, se a matéria for longa demais merecerá reorganização para que, sem quebra da lógica e da clareza, possa distribuir-se em parágrafos cuja extensão ofereça conforto ao leitor, inclusive visualmente.
Estes são alguns dos princípios a que deve atender a boa redação científica. Não devem ser, entretanto, tão rigidamente observados a ponto de sufocarem o estilo pessoal. Não têm, também, a pretensão de assegurar a boa qualidade da redação, da mesma forma que o conhecimento de regras gramaticais não garante a boa qualidade da comunicação.
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Última alteração 24 de Abril de 1997