Digestão   

Doutor Pedro Silva

Professor Auxiliar, Universidade Fernando Pessoa





  • Digestão
  • Introdução à endocrinologia
  • Fisiologia reprodutiva
  • Sangue, células sanguíneas e coagulação
  • Regulação do metabolismo
  • Digestão

  • Aula em vídeo:Processos digestivos e sua regulação A digestão inclui processos mecânicos, químicos e absorptivos. O tubo digestivo encontra-se revestido internamente por muco em todo o seu comprimento. Este muco actua como lubrificante (facilitando o movimento dos alimentos) e ao mesmo tempo protege o epitélio do tubo digestivo contra lesões mecânicas produzidas pelos alimentos.
    A acção mecânica da digestão começa com a trituração dos alimentos na boca, e continua através de todo o tracto intestinal, por meio dos diversos movimentos peristálticos. Também na boca, começa a degradação química do amido, catalizada pela amilase salivar. Esta hidroliza o amido em maltose. A sua acção é no entanto de curta duração uma vez que ao chegar ao estômago é inibida pelo baixo pH.
    O estômago secreta ácido clorídrico e pepsinogénio. O HCl tem como função fornecer alguma protecção contra colonizações bacterianas indesejáveis e activar o pepsinogénio . Por acção do H+, o pepsinogénio é convertido em pepsina, uma protease. As paredes do estômago estão protegidas da acção do HCl e da pepsina por um muco bastante alcalino que neutraliza o ácido antes deste atingir o epitélio gástrico.
    Durante uma refeição, a secrecção de sucos gástricos (contendo HCl e pepsinogénio) é de cerca de 1.5 L, mas nos intervalos das refeições, encontra-se reduzida a apenas alguns mL por hora.
    Nas células parietais do estômago, a anidrase carbónica cataliza a reacção:
    H2O + CO2 <---> H2CO3.

    O H2CO3 é um ácido fraco, que se decompõe em H+ e HCO3-. O H+ é secretado por transporte activo mediado por H+/ K+ ATPases. À medida que o H+ é secretado para o estômago, a célula lança para a corrente sanguínea HCO3-. A secrecção de HCl e pepsinogénio pelo estômago ocorre em três fases:
  • Fase cefálica (responsável por cerca de 1/5 da secreção)
    - ainda antes do alimento chegar ao estômago, estímulos psicológicos (a expectativa da refeição, o seu aroma, aspecto e textura) iniciam a secreção gástrica.
  • Fase gástrica.
    - a presença de alimento parcialmente digerido (principalmente péptidos e aminoácidos) no estômago promove a secreção de gastrina. Esta hormona peptídica actua sobre o estômago, estimulando a secreção. A histamina e a acetilcolina também estimulam a secreção. cada um destes três factores exerce efeitos potenciadores sobre a actuação dos outros, e por isso o efeito total é bastante superior à simples adição dos efeitos individuais. Por este motivo, o bloqueio da acção de um destes factores provoca marcada diminuição da secreção total. A gastrina tem outros efeitos: provoca a descarga de parte do conteúdo estomacal para o duodeno.
  • Fase entérica (responsável por cerca de 1/10 da secrecção):
    - A chegada de quimo ao duodeno provoca diminuição do seu pH. Este aumento de acidez estimula a secreção de uma outra hormona, a secretina, que provoca diminuição da motilidade gastrointestinal. Isto tem como efeito a paragem da transferência do conteúdo estomacal para o duodeno, impedindo que o estômago esvazie de forma demasiado rápida. A secretina vai também actuar sobre as glândulas do estômago, inibindo a secrecção de ácido. O duodeno produz alguma gastrina, que ao actuar sobre o estômago induz alguma secrecção de HCl e pepsinogénio.
    A secretina actua também sobre o pâncreas, estimulando este a secretar bicarbonato (HCO3-). Este anião neutraliza o ácido clorídrico proveniente do estômago, de forma a que o pH no duodeno aumente para os valores óptimos para as enzimas pancreáticas. Estas enzimas (proteases, lipases, amilase pancreática) são secretadas pelo pâncreas em resposta à colecistocinina (CCK), uma hormona peptídica produzida pelo duodeno quando lá existem ácidos gordos (provenientes dos alimentos).
    A colecistocinina também actua sobre a vesícula biliar, fazendo com que esta lance a bílis para o duodeno. A bílis contém bilirrubina, colesterol, e sais biliares (moléculas anfipáticas, i.e. com porções hidrofílicas e porções hidrofóbicas, que têm como função permitir a dispersão dos lípidos pela fase aquosa onde actuam as enzimas, formando uma emulsão). A quantidade total de sais biliares lançada em cada refeição é bastante superior à quantidade de sais biliares presentes no organismo porque estes são reabsorvidos no intestino e reencaminhados para o fígado e vesícula biliar várias vezes em cada digestão. Esta "reciclagem" dos sais biliares é chamada "circulação entero-hepática dos sais biliares".
    Na ausência de sais biliares, a digestao e absorção de moléculas lipídicas encontra-se bastante dificultada. Isto acontece por exemplo quando um cálculo biliar (provocado pela precipitação de colesterol em excesso na bílis) bloqueia o ducto biliar. Em casos mais extremos, os cálculos biliares também podem bloquear as secreções pancreáticas, uma vez que o ducto pancreático se funde com o ducto biliar antes de atingir o duodeno.
    No intestino ocorre secreção de enzimas digestivas (maltase,lactase,proteases, lipases) , e absorção de água, sais e nutrientes. Os hidratos de carbono são absorvidos como monossacáridos, as proteínas como aminoácidos e pequenos péptidos. Os ácidos gordos e monoglicerídeos são absorvidos separadamente, e transformados novamente em triglicéridos nas células epiteliais. São lançados na circulação linfática em lipoproteínas de densidade extremamente baixa (quilomicras). As quilomicras passam para o sangue quando a circulação linfática se une à circulação sanguínea, e distribuem os lípidos que transportam pelas células do organismo. As quilomicras remanescentes são absorvidas pelo fígado. Por sua vez, o colesterol e os triacilglicéridos produzidos pelo organismo são transportados na corrente sanguínea em lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL). Após doraem os seus triglicerídeos às células, transformam-se em lipoproteínas de densidade intermédia (IDL), ricas em ésters de colesterol. Parte destas IDL é absorvida pelo fígado, e o restante é convertido em lipoproteínas de baixa densidade (LDL), que transportam colesterol para as células. O excesso de LDL provoca deposição de ésteres de colesterol nas paredes dos vasos sanguíneos (aterosclerose) e eventual bloqueio destes (para mais pormenores, consulte este artigo de revisão) . As lipoproteínas de alta densidade (HDL) recolhem colesterol das membranas de células e transferem-nas para VLDL ou LDL.

    Bibliografia recomendada:

    coverHuman Physiology: The Mechanisms of Body function

    Um bom texto para alunos dos primeiros anos de um curso universitário.

    coverTextbook of Medical Physiology

    A "Bíblia" da Fisiologia Humana. Um texto excelente e muito pormenorizado, indispensável para estudantes de Medicina e Enfermagem